AMIGOS Dra. Relva (Thelma B. Oliveira, pediatra)

O AVÔ, O MENINO E A SUCURI.


Dra. Relva

Tem gente que tem medo de barata; ou asco. Baratas têm a alma branca e viscosa. São extremamente férteis e resistentes. São dadas à alta literatura: em Clarice, na Paixão segundo GH, ou em Kakfa, em A Metamorfose. Mesmo não pertencendo a academias de letras, são imortais. Dizem até que serão a única espécie a sobreviver ao derradeiro estampido nuclear.

Outros animais provocam repulsa pelo aspecto ou pela periculosidade. A cobra, que simboliza a astúcia e a traição, desde o paraíso, é dotada de peçonha frequentemente fatal. Guimarães Rosa tem uma novela impressionante sobre esse “bicho mau” – a serpe, serpente, que ele descreve pitorescamente: “o rosto de megera, a boca puntiforme que vai escancarar-se num esgar, desmandibulada imensa”. No sertão, o pavor é a urutu – de nenhuma se escapa.

Nossa sucuri é notável pela elasticidade e pelo abraço apertado e constritor, capaz de esmagar meticulosamente um boi inteiro, para depois degluti-lo, em longa digestão de até sessenta dias. Dia 6 de fevereiro de 2007: num sítio em São Paulo, uma sucuri de cinco metros arremete o bote contra um menino de seus dez anos. O avô é chamado e com as mãos setuagenárias domina o monstro, coisa que habitualmente só seria possível com a força de cinco homens. Sem saber de onde tirou coragem, impediu a morte do menino já nas garras da sucuri, acabando de matar o potente animal com pedras e um facão.

Nesse mesmo dia, no Rio de Janeiro, bandidos assaltaram um carro e saíram arrastando um outro menino, amarrado pelo cinto de “segurança”. O corpinho foi-se esfacelando por quilômetros de horror. Um menino nascido para ser feliz e amado, passeando de carro com seus pais. Um martírio semelhante ao do pequeno Tarcísio, morto a pedradas em tempos romanos.

Dois meninos visitados pela morte no mesmo dia: um, salvo miraculosamente pelo avô; o outro arrancado aos braços de sua mãe para a morte cruel. Dia de ira, esse dia! Como eu ia dizendo, tem gente que tem medo de barata; e também de cobra e outros bichos. Feras têm como lema o “pega, mata e come”. Elas são uma fatalidade até perdoável, já que obedecem cegamente à sua natureza instintiva. Mas o que fazer quando somos atacados por bestas humanas??

Quem é a Pat FeldmanPat Feldman

Pat Feldman é culinarista, criadora do Projeto Crianças na Cozinha (www.criancasnacozinha.com.br), que visa difundir para o grande público receitas infantis saudáveis, saborosas e livre de industrializados. É também autora do livro de receitas A Dor de Cabeça Morre Pela Boca, escrito em parceria com seu marido, o renomado médico Alexandre Feldman.