Alimentação ARTIGOS

Estaríamos melhor com banha de porco que com margarina, diz autor

[ratings]

Eu já citei o Michel Pollan AQUI no site uma vez, já li muitas entrevistas dele e já ouvi muita gente falando dele e dos livros dele. Apesar de nunca ter lido um livro dele (quero fazê-lo o quanto antes), compartilho de muitas idéias dele – por não ter lido os livros, não sei dizer se concordo com tudo!

Mas esta última entrevista dele, publicada no site da Folha de São Paulo, foi tudo de bom. Tome a liberdade de transcrevê-la aqui para vocês. Vale a pena ler e discutir!

Os mais novos conselhos sobre dieta acabam de vir dos EUA: primeiro, coma comida. Depois, não coma nada que sua avó não reconheceria como comida. Se isso parece óbvio para você, diz o jornalista americano Michael Pollan, vá ao supermercado –e tente imaginar uma dona-de-casa de meados do século 20 tentando decifrar dezenas de rótulos com ingredientes impronunciáveis de “substâncias semelhantes à comida” nas gôndolas.

Em seu novo livro, “Em Defesa da Comida” (editora Intrínseca), ele lança um ataque impiedoso à indústria e aos cientistas da alimentação, que, ajudados por um governo americano complacente e por jornalistas confusos, transformaram a dieta ocidental em uma máquina de adoecer.

Divulgação
Em seu novo livro, "Em Defesa da Comida", Pollan lança um ataque impiedoso à indústria e aos cientistas da alimentação
Em seu novo livro, “Em Defesa da Comida”, Pollan lança um ataque impiedoso à indústria e aos cientistas da alimentação

Essa revolução maligna na maneira como os americanos –e, por tabela, o resto do Ocidente– comem se instalou plenamente anos 1980. Nessa década, diz o livro, os alimentos deixaram de ser vistos como entidades completas (uma cenoura, um tomate, um bife) e passaram a ser comercializados pelo que continham de nutrientes: caroteno, licopeno, proteínas.

A indústria passou a “engenheirar” a comida de forma a torná-la irreconhecível, tudo em nome do lucro, disfarçado de benefício à saúde.

Qual foi o resultado? “Nossa saúde dietária é pior hoje do que era. Há mais obesidade, mais diabetes”, diz Pollan. O enfoque nos nutrientes, que teve seu início nos anos 1960, virou uma ideologia, o “nutricionismo”. Segundo o americano, essa ideologia é baseada na “ciência ruim” da nutrição, que é incapaz de produzir resultados consistentes em estudos epidemiológicos sobre dieta. Isso porque os nutricionistas buscam avaliar nutrientes, mas um alimento é maior que a soma de suas partes.

Um dos pecados dessa abordagem, argumenta, foi a condenação das gorduras saturadas de origem animal. No lugar delas, os nutricionistas nos deram as gorduras trans, que hoje o mundo inteiro –o Brasil inclusive– se esforça para banir. “Estaríamos melhor com banha de porco”, disse Pollan à Folha. Leia a entrevista.

FOLHA – O sr. diz que a comida virou presa da ideologia. Como assim?
MICHAEL POLLAN – Meu argumento é que a maneira como pensamos sobre a comida e como desenhamos a comida hoje em dia caiu presa de uma ideologia que chamo de nutricionismo. O nutricionismo é a crença de que o que importa na comida são os nutrientes: as proteínas, os minerais, as vitaminas. E, se você obtiver o bastante dos bons nutrientes e ficar longe dos ruins, esse é o caminho para a saúde.

Essa é uma visão muito reducionista tanto da comida quanto da saúde. A comida é mais do que a soma de suas partes nutrientes. O propósito dessa ideologia é dar mais poder para a indústria da alimentação, porque ela consegue redesenhar a comida de uma maneira que a natureza não consegue, e dá também muito poder a especialistas na nossa sociedade, sejam cientistas ou jornalistas.

A maior objeção é que pensar na comida dessa maneira não tem funcionado. Nós estamos reengenheirando a nossa comida há 30 anos para ter mais coisas boas e menos coisas ruins, mas a nossa saúde dietária é pior hoje do que era. Há mais obesidade, mais diabetes, e tirar da comida a gordura -supostamente um nutriente mau- não ajudou. Estamos comendo mais carboidratos e ficando mais gordos e diabéticos.

FOLHA – Então não há nada errado com a gordura?
POLLAN – Excesso de qualquer coisa é ruim, mas a gordura não é a vilã que achávamos que fosse. A gordura é um nutriente criticamente importante, e há gorduras boas e ruins. Jogar todas as gorduras no mesmo balaio foi um erro enorme. E afastar as pessoas das gorduras animais e aproximá-las de gorduras hidrogenadas vegetais também foi um erro. As gorduras trans fazem muito mais mal.

FOLHA – O Ministério da Saúde do Brasil quer banir as gorduras trans, mas está enfrentando uma enorme resistência da indústria, que diz que isso seria “voltar à era da banha de porco”. Isso é ruim?
POLLAN – Eu tenho duas respostas a isso: um, nós provavelmente estaríamos melhor com banha de porco do que com gorduras trans. Ela é mais saudável. Dois, há vários outros óleos vegetais que não precisam ser hidrogenados. É tudo uma questão de economia. Eles poderiam fazer batatas fritas com azeite de oliva e elas seriam deliciosas. Só que custariam mais. Ameaçar o público com o retorno da banha de porco, primeiro, não é tão assustador; segundo, não é verdade.

FOLHA – O público não está saturado com pesquisas sobre dieta? Hoje eu nem cubro mais estudos que dizem que o café faz mal ou bem, pois o próximo desmentirá o anterior.
POLLAN – Sim, é essa a situação do leitor hoje. Nós temos feito reportagens em excesso sobre uma ciência muito imperfeita. O estado do conhecimento nutricional é muito primitivo. Não sabemos o bastante para dizer se café faz bem ou mal…

FOLHA – Por que não dá para fazer estudos controlados com comida.
POLLAN – Exatamente. Você tem uma miríade de fatores, como estilo de vida, outras coisas que as pessoas comem, genética etc. Então em que conhecimento podemos confiar? Meu argumento em “Em Defesa da Comida” é que nós temos uma outra forma de conhecimento, que é a tradição. A sabedoria das nossas avós. E, quando se trata de comida, essa sabedoria pode ser mais profunda e mais útil que a dos nutricionistas –até agora, pelo menos.

FOLHA – Por outro lado, alguém poderia argumentar que as nossas avós tinham um cardápio muito pouco variado, e elas também morriam, e mais cedo que as avós modernas, na média.
POLLAN – A maioria dos ganhos na expectativa de vida vieram da prevenção da mortalidade infantil até os cinco anos de idade. E também tivemos coisas como ponte de safena e novos remédios. Mas as taxas de obesidade e diabetes eram muito menores há cem anos do que são hoje. Sim, a ciência e a tecnologia têm ajudado a prolongar a vida, mas mas não por meio da dieta. A dieta tem trabalhado na direção oposta.

FOLHA Seu livro é sobre como as pessoas comem nos EUA, mas a realidade de países como o Brasil é diferente. O que temos a ver com isso?
POLLAN – O jeito americano de comer está dominando o mundo. O Brasil e a Argentina estão rumando na direção da agricultura de forragem. Vocês estão arrasando seus campos naturais para plantar soja. E o que acontece com essa soja? Ela vira forragem barata para gado, que vira comida processada.

Então, o hábito de ir ao supermercado, o hábito de ir ao fast-food, essas coisas estão se espalhando pelo mundo. Minha esperança ao publicar esse livro é que as pessoas que ainda não perderam sua cultura alimentar lutem mais para defendê-la contra a onda de fast-food.

FOLHA – O sr. defende um bocado a comida local e os orgânicos, que são a nova moda nos países ricos. Mas nós vivemos num mundo de mais de 6 bilhões de pessoas, e a agricultura precisa ser industrial e usar pesticidas em grande escala.
POLLAN – Pode ser que os orgânicos não sejam a resposta para o mundo inteiro, mas há modelos de agricultura em grande escala que não usam muito pesticida e são mais sustentáveis. Se você pensar na rotação que eles usam na Argentina, são cinco anos de gado no pasto e três anos de grãos, você pode produzir a melhor carne do mundo e três anos de grãos que podem ser plantados sem fertilizante e sem herbicidas.

FOLHA – Embora a Argentina tenha mergulhado de cabeça na soja transgênica…
POLLAN – Eu sei. Essa é uma das maiores tragédias do mundo hoje. Eles estão abrindo mão de um produto muito superior, que é a carne deles, em prol de um casinho passageiro com a soja transgênica. Eu acho que eles olharão para trás em algum ponto e se darão conta de que foi um grande erro.

FOLHA – As recomendações da FDA são seguidas ao redor do mundo. Mas o sr. diz que a FDA não é exatamente confiável. Por quê?
POLLAN – Qualquer país que siga a nossa pirâmide alimentar precisa saber como ela é feita. E não é um quadro bonito. O governo dos EUA precisa negociar cada mensagem sobre a comida com a indústria afetada.
Eles não apenas incluem o consenso científico sobre quanto açúcar você pode comer, mas têm de negociar com os usineiros, que querem aumentar esse valor. Então, eles tentaram dizer que 10% de açúcar na dieta era razoável, mas a indústria brigou e insistiu em 25%. Isso não é informação científica, é informação política, negociada com a indústria. Você deve tomá-la com um grão de sal.

FOLHA – Não é meio ridículo escrever um livro ensinando bom senso às pessoas?
POLLAN – (Risos) Eu jamais imaginei que pudesse vender um livro que se baseia num conselho às pessoas para comer comida. Isso é sintomático da nossa situação. Meu último livro dizia às pessoas de onde a comida vinha. Nós nos desconectamos tanto da comida que você precisa de jornalistas para dizer de onde a comida vem e que é preciso comê-la.

O que vocês acham?

Quem é a Pat FeldmanPat Feldman

Pat Feldman é culinarista, criadora do Projeto Crianças na Cozinha (www.criancasnacozinha.com.br), que visa difundir para o grande público receitas infantis saudáveis, saborosas e livre de industrializados. É também autora do livro de receitas A Dor de Cabeça Morre Pela Boca, escrito em parceria com seu marido, o renomado médico Alexandre Feldman.

30 comentários

  1. Adorei!

    Pat, como sempre, o artigo perfeito, no momento perfeito!

  2. Olha quanta verdade! Eu me de lembro quando era criança, meus avós moravan no campo e todo domingo íamos de passeio. Meu avô tinha açougue , ele comprava o gado e alimentava no pasto, só colocavam as vacinas para não adoecer, e meu pai trazia vários pés de boi, carnes e leite fresquinho, que minha mãe aproveitava para fazer iogurte e até doce de leite, tínhamos horta em casa, se plantava o que era bom na época certa, tinha a colheita de inverno e de verão, os pães sempre feitos em casa, não comprávamos refrigerantes nem sucos, só havia limonada feita na hora com limões frescos da planta, assim como outras frutas, e nós moravamos na cidade mesmo….

    Eu me lembro disso e percebo quanto a modernidade no que diz respeito a alimentação nos trouxe coisas ruins, e até ridiculo que um jornalista tenha que nos ensinar como comer, quando até outro dia na minha casa mesmo se fazia assim, tudo natural, mas a publicidade nos envolve de tal jeito que nos rendemos a opções totalmente erradas!!

    Ainda bem, que tem gente como este jornalista, que nos lembra ou nos faz abrir os olhos, é como vocês, que se preocupam com a saúde das pessoas…

    Muito obrigada por compartilhar conosco estas informações e nos ajudar a ter uma vida melhor!! parabéns
    Isso nos mostra que temos que resgatar velhos hábitos, das nossas avós mesmo e trazê-los a nossa correria diária. Não é tão dificil assim..

  3. Estou exatamente lendo esse livro agora, e é impressionante como coisas que a principio são “obvias” são facilmente esquecidas na correria do dia-dia…Recomendo o livro, vale a pena ler, apesar de não conter nenhuma “revelação cósmica”, mas sim bom senso, ele nos faz refletir e reavaliar nossa alimentação e nosso relacionamento com os alimentos, nosso corpo, nossa saúde!

    Como sou nova nessa comunidade, outro dia estava lendo as postagens mais recentes e pesando…”será que a Pat conhece o livro do Pollan?” rsrsrs achei a resposta!

  4. Adorei, estava mesmo precisando ouvir estas verdades.

  5. Minha vó mora no interior do RS e graças a Deus ainda preserva os costumes antigos. Sua alimentação é a base de carne de boi. Às vezes entra porco ou frango. Peixe eu nunca vi. Também nunca a vi usar outro tipo de gordura que não seja a banha. Ah! Vale lembrar que ela tem na cozinha dela um fogão à lenha que ela só não usa no verão, para não esquentar mais ainda o ambiente.

    Ela mesma prepara suas conservas que, aliás, são deliciosas. Chucrutes e pepino são comuns em sua mesa e também no porãozinho, que a gente “assalta” sempre que vai lá.

    Outro costume que acho uma gracinha é que ela só consome leite fresco que o leiteiro leva dia sim dia não a casa dela.

    Além disso tudo, minha vó faz o próprio pão e a cuca, prepara geleias (chimias) de uva, faz massinha de farinha e ovo e outras coisinhas deliciosas e, claro, toma chimarrão pelo menos umas 4 vezes por dia.

    A idade dela? 89 anos
    É isso aí! É nela que eu me inspiro!

  6. Pat, muito bom este artigo, mas tenho uma dúvida:

    “…Eles poderiam fazer batatas fritas com azeite de oliva e elas seriam deliciosas…”

    Mas o azeite, quando aquecido, não perde as propriedades benéficas e passa a fazer mal para o organismo?

    Obrigada

    1. Isabel, eu não concordo 100% com o Michael Pollan, e esse é um dos pontos! Mas batatas fritas em óleo de coco ou na banha artesanal de porco ficam simplesmente divinas!! Ou como faço as minhas batatas fritas, no forno, ficam incríveis com gordura de frango caipira ou pato.

      Azeite de oliva realmente perde suas propriedades benéficas quando é exageradamente aquecido.

  7. Amei a entrevisata! Aprendi muito e setou voltando a era da minha avó. Parabéns!

  8. Pat, ontem fui ao super e vi exposto na prateleira “banha” de uma dessas marcas famosas.
    Você conhece? Recomenda? Acabei não comprando, achando que poderia estar levando gato por lebre. O que você acha?
    Obrigada, bjo.

    1. Conheço, Tati. Se você observar com mais cuidado a embalagem, verá que a tal banha é hidrogenada – gordura da pior espécie!!! Ainda bem que você não comprou!!

  9. Que horror! É impressionante como a desonestidade impera nas prateleiras dos supermercados. É o fim da picada ficar usando o nome de comida nessas imitações de péssima qualidade. Pat, obrigada pelas suas informações valiosas. Bjo.

  10. Pat, Bom dia! Como vai?

    Amo seu site! Obrigada! Eu cozinhava com azeite de oliva extra virgem desde 2005, não afogava o arroz e numca usei para frituras, até mesmo porque não consumo frituras em minha casa. Me sentia super bem coziando com azeite. Uso também a manteiga de leite da feira (não sei se é orgânia, mas sei que é mil vezes melhor do que aquela do supermercado). Agora quero comprar oleo de coco da Copra pela internet porque aqui em Goiânia quase não tem óleo de coco e é caríssimo. Como dizem que o azeite não deve ser submetido a altas temperatura, pra ir quebrando o galho comprei na feira 2 litros de banha de porco caipira, preço excelente 3,00 o litro paguei por 02 litros 6,00 estou usando e também estou gostando . Qual a seria a melhor opção para mim na sua opinição?? Aguardo sua resposta.

      1. Ok pat, seguirei a dica mas, pra variar usarei também a manteiga, porque também adoro, e acho maravilhoso o sabor.
        Só uma dúvida: na feira tem também a manteiga de leite na garrafa, eles dizem “manteiga de garrafa” qual das duas devo escolher para cozinhar?? Ou tanto faz? Até agora ainda não experimentei na garrafa. Bom final de semana!!

  11. Amei o texto, enfim o ditado bíblico é vero, CONHECEREI A VERDADE E ELA VOS LIBERTARÁ, é sempre bom ler e estar atento pra não sermos enganados pela indústria da alimentação cancerígena, obrigada.

  12. Concordo com tudo que li.
    No meu tempo nem existia óleo.
    Na minha cidadezinha (Macucos SP) nem Hospital tinha.
    Todos tinham boa saúde.

  13. Gostei de tudo, menos de fritar batatas no azeite. Eu não frito batatas há muito tempo. Coloco as batatas palitos congeladas num pirex salpico sal orégano e um fio de azeite e levo ao forno pra assar. Elas ficam crocantes e saborosas. Vale a pena testar.

Comentários estão encerrado.